A lÓcura total em dia de almoço no lar da Miquelina

No domingo foi dia de festa no lar da Miquelina. Foi o dia do almoço de Natal.

A coisa começou bem, com a chegada do carrinhos dos comprimidos. Para que os velhotes pudessem usufruir melhor da coisa...

Escusado será dizer que os velhotes estavam felizes. É um facto que nem toda a gente tinha família consigo, mas estava lá muita gente.

Por momentos pensei em como as pessoas estarão tristes quando estão só... Quando estão para ali abandonadas...

Não é o caso da Miquelina, como é óbvio! Porque eu sou um neto muito chato e não a largo assim sem mais nem menos!

O pessoal do lar é todo muito simpático - umas pessoas mais que outras, naturalmente - e dão miminhos a todos os velhotes. O que é óptimo de ver, claro está!

E depois chegou o almoço: um bacalhau no forno com puré de batata. Estava bem bom, sim senhor. Apesar do pouco sal, como seria de esperar.

Para a Miquelina, quando está a comer, os problemas do mundo não existem e tudo está perfeito!
A sério! No outro dia passei por lá com a minha prima enquanto estava a jantar e só dizia que não nos dava nada e mal nos ligou! Raio da velha!

Eu, de facto, faço tudo desta mulher! Até consigo pô-la a sorrir nas fotografias, coisa que nunca fazia!

Houve festa da rija, com música e cantares e tudo! Eu bem que queria bailar com a Miquelina, mas havia pouco espaço... E, há que dizê-lo, não sei se aguentaria a pedalada dela!

A festa foi muito gira e, no final, até houve direito a prendas e tudo! As velhotas receberam ums mantinhas bem quentinhas!

Claro que a Virgolina, como eu às vezes a chamo, tem amiguinhas lá no lar.
Ficámos sentados na mesma mesa que uma das suas colegas de quarto. Uma senhora bem divertida e bem falante. Tem 87 anos, mas diz que tem 30. E diz que não mente, não senhor. E quando um irmão lhe disse que ela teria 60 ou 70 diz que disse o raio que o parta, ora!
É assim atiradiça e vive naquele mundo dela toda feliz e contente.

É interessante ver como ela vive bem naquela ilusão e como, pelo que pude ver, isso é o único problema que a aflige, já que se mexe bem e tem um discurso absolutamente fluído.
É também interessante ver como ela sabe que nasceu em 1922 mas, mesmo assim, é mais nova que eu um ano!

Escusado será dizer que falei muito com ela e disse-lhe muitas vezes que é belíssima, como só poderia ser. E ela, claro, retribuíu o elogio!
Ela estava nos píncaros com a sobrinha, o marido e os filhos desta que tinham vindo visitá-la. Emocionou-se umas quantas vezes.

Mas uma verdadeira amiga da Miquelina é esta senhora. Muito querida, sempre bem disposta e sempre que me apanha quer conversa e, se o tempo o permitir, um passeio em volta do lar!

Até lhe disse que íamos tirar a foto, mas que não queria problemas com o namorado dela... Sim, que eles são velhotes, mas não estão mortos!

Eu gostei muito. De ver os velhotes felizes, de ver que nem todos são para ali deixados, como se se tratassem de um produto fora do prazo.
O meu tio também lá esteve - velhota dos 30 anos falou que se fartou com ele - e a minha mãe passou por lá mais tarde.

Como disse, houve cantares e tudo:





Foi a lÓcura total. E para o ano há mais!

Ah, já agora, ela está bem melhor da broncopneumonia mas está para lá da fartinha de estar no quarto sózinha. Mas é melhor para ela, pelo menos até se restabelecer completamente!
Claro está que estava toda feliz por ter tido ordem de soltura e ter ido até à festa com o resto do pessoal. Sempre a bombar, claro!

Curiosamente, e pela primeira vez, talvez obra dos comprimidos nas caixinhas logo ao princípio, confessou-me que sou triste no meu íntimo. Mesmo quando o avô era vivo e tinha uma vida boa. Sempre fui triste.
Mas, ao menos, e naquele momento, estava feliz.